A verdade da mentira

As verdades da mentira

“- Pinóquio porque não foste à escola? – perguntou a fada azul – Quando eu estava a ir para a escola, conheci uma pessoa… não, dois monstros enormes e prenderam-me num saco. – Apressou-se o Pinóquio a dizer. E, à medida que mentia, mais o nariz lhe crescia. “

Também as crianças mentem, ainda que isso não lhes faça crescer o nariz. As primeiras mentiras expressam, muitas vezes, a compreensão limitada que as crianças apresentam do que é imaginário ou real, levando-as a jurar de pés juntos que esteve um leão no jardim, uma fada na sala ou que foram com a avó visitar um rei. Esta distinção vai-se desenvolvendo nos anos pré-escolares, ainda que possa manter-se de forma normativa e estimulada culturalmente até mais tarde como as crianças que, no 3º ano, ainda acreditam no Pai Natal.
É por volta dos 2-3 anos que a mentira infantil se aproxima da dos adultos, respondendo às mesmas necessidades: evitar consequências desagradáveis, conseguir algo, impressionar ou proteger alguém. O aparecimento da mentira intencional pode ser visto como um marco de desenvolvimento, já que reflete novos conhecimentos da criança, como a capacidade de perceber que o outro tem ideias ou gostos diferentes dos nossos. As crianças começam a ser capazes de, deliberadamente, afirmar coisas que não são verdade, embora de forma pouco elaborada. Podem, por exemplo, negar que espreitaram a caixa na mesa da cozinha mas, quando questionados, dizerem que tem bolos no seu interior.
Entre os 4 e os 6 anos as mentiras surgem já de forma espontânea no repertório da criança, associadas a uma maior competência linguística e reforçadas por uma maior capacidade de se exprimirem de forma não-verbal. A compreensão de que o outro tem um conhecimento diferente do seu e de que pode controlar o seu comportamento para que “não lhe cresça o nariz” quando mente passa a ser uma forma rápida de resolver problemas: evitar consequências desagradáveis (“hoje não tenho trabalhos de casa”), conseguir algo que se quer (“com a mãe posso comer gomas antes do jantar”), impressionar alguém (“saltei 3 metros”) ou proteger o outro (“gosto muito destas botas de lã feitas pela tia”).
Quando chegam à idade escolar, apresentam mentiras mais elaboradas que são capazes de manter de forma coerente. Como a Inês que, aos oito anos, toma banho sozinha. Ou melhor, abre a torneira, molha o cabelo e senta-se a ler enquanto espera. Depois, é só sair de toalha enrolada e livro bem escondido. Daqui à adolescência, seguimos para mentiras que podem não ser mais em quantidade mas são, sem dúvida, mais sofisticadas e difíceis de detectar.
Mas, afinal, na falta de grilos falantes e narizes denunciantes, como devem os pais lidar com a mentira?
Em idades muito precoces, 2-3 anos, não faz sentido repreender a criança já que, muitas vezes, não é uma verdadeira mentira. Mas é importante que os pais estimulem a distinção entre o real e o imaginário ainda que, em momentos de brincadeira, possam ser índios, dinossauros ou super-heróis.
Quando existe intencionalidade na mentira, devemos explicar porque esta não é aceitável e quais as suas consequências. É essencial tratar a mentira e o comportamento que a originou de forma independente, sublinhando a importância de não mentir e evitando que a criança associe a verdade a uma consequência desagradável que resulta do comportamento. Esta separação facilita também o elogio da verdade, podendo explicar à criança que terá de restituir o que partiu mas que, ainda assim, está orgulhoso por ela não ter mentido.
Mesmo quando a criança compreende os valores que lhe pretendemos transmitir, os estudos indicam que só por volta dos 7-8 anos é que os pais são devidamente recompensados, com as crianças educadas para não mentir e elogiadas por dizerem a verdade, a mentirem menos. Ainda assim, é essencial perceber a função que a mentira cumpre e encontrar alternativas mais adequadas para lhe dar resposta. Se a criança acrescenta detalhes apelativos ou se inventa histórias que a colocam constantemente em destaque, talvez precise de se sentir elogiada noutros comportamentos. Por outro lado, se mente depois de um erro, talvez tenha medo das consequências que imagina, como achar que os pais não a vão amar da mesma forma.
Na maioria das vezes, “os Pinóquios” acabam por se transformar em meninos de verdade. A preocupação pode surgir quando existe um padrão de mentiras repetidas, graves, ou acompanhadas de outros problemas de comportamento. A indiferença, ou desvalorização, do que o outro sente e pensa face a essa mentira é também relevante e, nessas situações, é importante procurar ajuda especializada.
Para terminar, é preciso lembrar que o final feliz desta história nasce do reencontro do Pinóquio com o Senhor Geppeto, portanto, não se esqueça de agir como modelo de verdade ou, quando não o faz, explicar por que motivo a jarra que a tia Margarida lhe ofereceu (e que disse ter adorado) está numa caixa debaixo da cama.

Marisa Alves
Psicóloga Clínica