COVID-19: Estigma vs. (auto)compaixão. Como queremos ser lembrados?
Um texto das Psicólogas Clínicas do PIN, Tânia Costa, da Sara Albuquerque e da Marta Duarte.
O Covid-19 é uma doença nova, ainda com muitas questões em aberto. É uma ameaça invisível, que nos obriga a mudanças inesperadas e rápidas, e nos sujeita à incerteza, podendo contribuir para a instalação de pânico e irracionalidade.
A necessidade de identificar “bodes expiatórios” tem sido transversal ao longo da história da humanidade, e surge frequentemente como forma de nos salvaguardarmos de acontecimentos desconhecidos e instáveis que nos suscitam medo:
Sinto-me ansioso, agitado. Tenho muito medo de que eu ou a minha família sejamos contagiados. Faço tudo para tentar evitar que isso aconteça. Custa-me não saber quando tudo isto vai terminar e quando podemos voltar à nossa vida normal. Vejo da minha janela pessoas a sair. Só me apetece insultá-los. Que raiva que me dá! Depois admiram-se de ficarem infetados. E que não se armem em vítimas quando isso acontecer. Puseram-se a jeito, cá para mim.
Assumir que situações “más” só acontecem a pessoas que fizeram algo de mal, contribui para que acreditemos que se fizermos tudo bem, se cumprirmos com todas as normas de contenção, nada de mal nos acontecerá. Esta conexão de justiça e previsibilidade no mundo ajuda-nos a ter alguma perceção de controlo perante situações assustadoras como a pandemia que estamos a viver.
Contudo, pode igualmente contribuir para comportamentos estigmatizantes de pessoas que possam estar mais expostas (ex. profissionais de saúde) ou que tenham contraído o vírus, responsabilizando, criticando e desvalorizando, sobretudo numa altura em que elas próprias já estão tão vulneráveis quer física como psicologicamente:
Desde o momento que soube que estou infetado a minha cabeça tem sido assaltada por um fluxo constante de pensamentos. Por uma avalanche de emoções. Às vezes fico irritado por isto me ter acontecido logo a mim. Questiono-me se fui cuidadoso o suficiente. Se terei infetado outras pessoas. Se alguém, por minha causa, poderá estar gravemente doente. Penso na minha responsabilidade na morte de alguém. Chamo-me nomes. Penso que não fiz as coisas corretamente. Aparece a culpa, a raiva, a autocrítica e a ansiedade. Sinto que passei a ser uma ameaça para as outras pessoas. Não sei o que esperar delas. Questiono-me se devo contar. Imagino que, se souberem que estou infetado, fiquem com má imagem de mim, que tenham medo de mim.
Que me vão pedir para morar fora do meu prédio. Que me vão rotular como “O infetado”, “O contagioso”. Serei aquele com quem ninguém quer estar. É como se, neste momento, o planeta fosse dividido em dois grupos: os infetados e os não infetados. E eu, infetado, faço parte do grupo dos marginalizados, dos rotulados. Daqueles que são excluídos. Que não dão segurança aos outros. Daqueles que ficam sozinhos. Aparece o medo, a raiva, a confusão. Aparece aquela emoção que não gostamos muito de falar e que entra dentro de nós como um convidado indesejado. A vergonha. É muito difícil suportá-la. Quando está connosco sentimo-nos pequeninos. Diferentes. Não apreciados. Como se não fizéssemos parte do grupo. Sinto tanta falta da minha vida. Todos sentimos.
“TODOS” é aqui a palavra de ordem. Ninguém está imune a contrair o vírus e uma das maiores ameaças para o ser humano é ser rejeitado pelo grupo. Pode acontecer a qualquer um de nós, a qualquer pessoa que nos seja querida. E que assustador que isto é!
Mas não deixemos que o medo se transforme em estigma. Que a energia que a nossa zanga nos dá seja direcionada para combatermos a doença, para nos protegermos; não para nós próprios ou para os que estão no mesmo barco que nós.
Pensemos como um dia gostaríamos de ser retratados num qualquer livro de história sobre a humanidade, como uma humanidade solidária e consciente da sua fragilidade comum, ou como uma humanidade indiferente e inequivocamente crente no valor do individualismo?
Deixamos-lhe algumas estratégias promotoras de autocompaixão e empatia: