«Estrelas & Ouriços – Artigo opinião» “Discalculia: quantas vezes são muitas vezes?” Mário Tribuzi, Psicólogo Educacional do PIN
Dia 3 de março, marca o Dia Internacional da Discalculia. Apesar de já existirem algumas sólidas décadas de investigação na área das perturbações de aprendizagem específicas na Matemática, esta dificuldade de aprendizagem sofre para ser reconhecida nos meios educativos, clínicos e sociais.
Muitos dizem que é normal ter dificuldades com números, outros que não se pode ser bom a tudo e há até quem insista que basta sofrer até ao 9.º ano para que depois se “fuja para Humanidades” e nunca mais se cruzem os caminhos com a álgebra e companhia.
Valerá a pena ignorar, esconder ou fugir da Matemática? Não estaremos nós a confundir o currículo académico da disciplina com a utilidade prática da mesma? Ou será que a (grande) maioria dos adultos com responsabilidades de ensino também revela pés de barro face à disciplina e não tem ferramentas para adaptar ou apresentar os exercícios por variadas perspetivas?
A verdade é que é mais difícil responder a estas perguntas do que perceber que a realidade educativa em Portugal (e internacionalmente) aponta para a existência de muitas crianças com Discalculia. Muitas delas sem diagnóstico, outras sem a intervenção psicopedagógica recomendada e outras sem as medidas educativas aplicadas na escola. Estima-se que a prevalência de indivíduos com Discalculia seja similar à dos com Dislexia, todavia ainda existem reduzidas medidas escolares dirigidas especificamente a esta população.
Como identificar a Discalculia?
Quando estamos perante uma pessoa (seja criança ou adulto) com Discalculia, a competência que se desenha como maior obstáculo à compreensão da matemática é o Sentido de Número. Na prática, Sentido de Número diz respeito à capacidade para analisar e manipular o valor e o tamanho de um algarismo numa determinada situação-problema. Ou seja, é a compreensão do significado dos números, como funcionam em conjunto e como se generaliza a sua aplicabilidade no quotidiano.
Normalmente, as competências citadas têm pouco espaço na sala de aula! Principalmente porque “não há tempo”, “tem de se avançar com a matéria” ou “é fácil demais”! E aqui começa a desvinculação com a disciplina, dado que a introdução de novos conteúdos é mais rápida do que a consolidação dos anteriores. E, para alunos com Discalculia, a Matemática deixa de fazer sentido, é inatingível e resume-se a uma disciplina “perdida”.
Importância de desenvolver o Sentido de Número e como ajudar
Desenvolver o Sentido de Número é premente e imprescindível ao longo do ensino básico, com especial enfoque no primeiro ciclo. Para tal, existem tarefas que devem acompanhar transversalmente os conteúdos abordados: a contagem (progressiva ou regressiva, de uma a um ou com intervalos maiores); a estimativa (estimar ou prever quantidades antes de as contar); e a abstração numérica (pensar os números em diferentes contextos; por exemplo, o número três está presente num 3 de copas, como na quantidade de lados dum triângulo, como na posição da letra C no abecedário ou na diferença de idades entre mim e o meu irmão).
Além de capacitar a criança para uma melhor compreensão do sistema numérico, promove a familiarização com a decomposição e construção de números, melhora o cálculo mental e possibilita um aumento do autoconceito relativamente à matemática.
A compreensão numérica e as gerações do futuro
Segundo alguns estudos, aproximadamente metade da população adulta tem um nível de numeracia de uma criança do primeiro ciclo. Capacitar as próximas gerações para níveis de compreensão numérica mais eficazes deverá ser um objetivo prioritário, dado que (apesar do que os estudantes pensam) é com a mestria no cálculo que conseguimos lidar com problemas práticos e reais do quotidiano “adulto”. Sejam eles verificar quanto tempo falta para determinado compromisso, confirmar imediatamente o troco, gerir orçamentos, compreender dados estatísticos, confiar (ou não) em determinadas promoções e…
ajudar os filhos nos trabalhos de casa de matemática!
Mário Tribuzi
Psicólogo Educacional (Núcleo das Dificuldades de Aprendizagem Específicas)
Fonte: https://estrelaseouricos.sapo.pt/atividade/discalculia-quantas-vezes-sao-muitas-vezes/