«Estrelas & Ouriços – Artigo opinião » “Timidez ou ansiedade? Quando o silêncio esconde sofrimento!” – Dra. Maria João Silva

Quando os pais a foram buscar à escola, não acreditaram no que tinham acabado de ouvir… a M não falou o dia inteiro! Não trocou uma palavra com ninguém… nem um som saiu da sua boca!

Era impossível acreditar que a menina alegre e faladora lá de casa tinha estado todo o dia em silêncio. Talvez por ser o primeiro dia de escola, todos pensaram: “isto é só timidez, está a adaptar-se e amanhã vai correr melhor”. Mas o amanhã tardou e, um ano depois, ficou claro que algo se passava com a M…

Esta pode ser a história de muitas crianças (meninas e meninos) que sofrem de Mutismo Seletivo (MS). O MS é caracterizado pela consistente ausência de linguagem verbal em contextos em que falar é socialmente esperado (e.g. escola). Apesar de a criança ter capacidade para falar, ela simplesmente não consegue. Esta dificuldade não depende do controlo voluntário da criança nem diminui de forma espontânea – é uma manifestação de ansiedade extrema.

Talvez por ser pouco comum, o mutismo seletivo é muitas vezes encarado como uma timidez passageira, levando, muitas vezes, a uma procura tardia de ajuda e ao consequente agravamento do problema.

Quando transitória, a timidez pode ser reflexo de um desenvolvimento saudável – e.g. a timidez perante desconhecidos pode prevenir riscos.

No entanto, quando essa “timidez” não é transitória e condiciona de forma persistente a comunicação verbal com pessoas conhecidas (mesmo com exposição regular ao contexto), então provavelmente, falamos de Mutismo Seletivo.

No MS, o que gera e mantém o silêncio na criança é a ansiedade que ela sente em falar em determinados contextos. É como se paralisasse por medo. Muitas crianças relatam que têm vontade de falar mas simplesmente não conseguem. Assumir que estas crianças são tímidas e que o tempo resolverá o silêncio, é aumentar a probabilidade de agravar o seu sofrimento…

O Mutismo Seletivo é uma perturbação de ansiedade extraordinariamente importante, pelas repercussões que pode ter na vida da criança e da família, ao condicionar dimensões tão fundamentais quanto a escolarização e a socialização.

Quanto mais precocemente se intervir, maior será a probabilidade de sucesso, com um forte impacto na vida futura destas crianças e jovens.

Quando se confrontar novamente com uma criança/jovem com esta dificuldade, pense que há um enorme sofrimento escondido naquele silêncio e isso fará toda a diferença!

Autor:

Maria João Silva, Psicóloga Clínica & Psicoterapeuta PIN em todas as fases da vida e Coordenadora Internacional SMA (Selective Mutism Association)

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