«Estrelas & Ouriços – Artigo opinião» “Uma mãe não é de ferro!”– Dra. Adriana Moutinho
Se é um lugar comum pensar que uma mãe feliz é sinónimo de um bebé feliz, é mais importante lembrar que a experiência da maternidade não é linear e que muitas mulheres experienciam tristeza e ansiedade durante a gravidez e pós-parto e que esconder ou negar estes sentimentos, não os valorizando na devida medida por receio de julgamentos, pode mascarar situações graves e com potencial de tratamento, tornando a vivência da maternidade num verdadeiro sofrimento.
Uma gravidez não traz apenas um bebé. Traz uma mãe, um pai, uma família e a adaptação a uma nova realidade que implica em grande parte gerir expectativas.
Sobretudo as da mulher, mas também as expectativas da sociedade, que encaram a gravidez e maternidade como algo relativamente simples e inato às mulheres, e esperam que estas desempenhem todos os seus papéis exemplarmente, sem descurar nenhum. Sem esquecer as expectativas da família e amigos, que tendem frequentemente a emitir opiniões e conselhos que por muito bem-intencionados podem nem sempre ter na mulher um efeito positivo.
Tudo o que se passa durante a gravidez e o parto tem impacto na fase posterior ao parto, na relação mãe-bebé e consequentemente na relação desta díade com o mundo. E também na relação entre ser mulher e mãe, ou melhor, tornar-se mãe. E este é por norma um assunto um tanto ou quanto tabu.
Não é incomum as mulheres sentirem pudor em falar sobre questões menos boas da gravidez e da maternidade; queixarem-se do quão desagradável foram as náuseas e vómitos, as alterações corporais, do apetite e do sono, as pernas inchadas, o cansaço, as noites mal dormidas, as dificuldades da amamentação, as alterações na sexualidade…
E frequentemente ouvirem que “gravidez não é doença” e que “é uma bênção ser mãe”, transformando todos estes sentimentos numa espécie de pecado, como se só “péssimas mães” os pudessem sentir.
De facto, a gravidez não é doença e, felizmente, na maior parte das vezes não acarreta complicações para a mãe ou para o bebé. Mas quem disser que é fácil manter uma vida a um ritmo normal certamente nunca passou pela experiência na primeira pessoa. E a mãe que nunca teve saudades da vida antes de ser mãe que atire a primeira pedra.
Importa notar que nem todas as alterações emocionais e físicas vivenciadas durante a gravidez e pós-parto são sinónimo de doença. O cansaço e fadiga, alterações do sono decorrentes das rotinas e sono do bebé, alterações do apetite por exemplo associadas à amamentação, sentimentos de medo de falhar ou ambivalência naturais em processos de adaptação à mudança, são comuns e não acarretam especial preocupação, sobretudo se estiver mantida a capacidade de recuperar (por exemplo com repouso) e a funcionalidade da mulher.
Contudo, a gravidez e puerpério são períodos complexos e que apresentam à mulher inúmeros desafios e mudanças, pelo que devem ser avaliados com especial cuidado, particularmente por serem o período na vida da mulher de maior vulnerabilidade para o início, recaída ou agravamento de uma doença psiquiátrica.
A causa para que tal aconteça deve-se a uma interação complexa entre fatores biológicos, psicossociais e ambientais, tais como: fatores genéticos, alterações hormonais, situações de vida adversas, fraco suporte social e/ou familiar, gravidez não planeada e/ou não desejada, gravidez de risco e/ou complicações obstétricas, alteração de rotinas e papéis, privação de sono, isolamento social, história prévia de doença mental…
Imediatamente após o parto pode viver-se uma fase de maior labilidade emocional, fadiga, ansiedade, irritabilidade, alterações do sono e apetite, dificuldades de concentração, designada de Baby Blues.
Estes sintomas, por norma ligeiros a moderados, são transitórios, têm pouco impacto funcional e remissão espontânea (menos de 15 dias). Por outro lado, sintomas depressivos persistentes, tais como tristeza intensa e permanente, falta de prazer e interesse, diminuição da energia, sentimentos de angústia, incapacidade ou culpa, com início durante a gravidez ou nas primeiras semanas após o parto (podendo surgir até 12 meses) e que provocam disfuncionalidade, são características de um quadro patológico, podendo estar presente uma perturbação depressiva.
Evidência científica recente relaciona a depressão perinatal com maior risco de complicações obstétricas e do desenvolvimento fetal, aumento do risco de baixo peso à nascença e prematuridade, negligência de cuidados à mulher e ao bebé, impacto na vinculação mãe-bebé, risco de suicídio e infanticídio e aumento da morbimortalidade ao longo da vida do filho, em particular de psicopatologia futura.
Sabe-se também que a probabilidade de persistência dos sintomas, se não tratados, é de cerca de 70%, assim como existe um elevado risco de recorrência durante os anos seguintes e de cerca de 50% em gravidezes subsequentes.
Assim, a depressão na gravidez e pós-parto é uma doença que exige avaliação médica criteriosa e diagnóstico precoce. O acompanhamento psiquiátrico e o início de tratamento adequado atempadamente são essenciais. Os psicofármacos, em particular os antidepressivos, são a primeira linha de tratamento e possíveis de compatibilizar com a gravidez e amamentação, podendo ser associados a psicoterapia cognitivo-comportamental.
É de particular importância diminuir o estigma associado à doença mental perinatal e incentivar as mulheres a falarem sobre as suas preocupações e pedirem ajuda, no sentido de poderem viver uma maternidade saudável. Porque mães mentalmente sãs vão contribuir para bebés e crianças felizes.
Autor: Adriana Moutinho, Médica Psiquiatra
Fonte: Estrelas e Ouriços