POC – Artigo Lux

Perturbação Obsessivo-Compulsiva – “A minha cabeça está cansada de pensar”

 

“A minha cabeça está cansada de pensar”, “Quero parar os meus pensamentos e não consigo” – são frases que vou ouvindo de crianças e jovens com Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC).

A POC carateriza-se pela presença de obsessões que são pensamentos intrusivos, recorrentes, que resistem a afastar-se da consciência e geram ansiedade ou mal-estar intensos. Os conteúdos destes pensamentos obsessivos poderão estar ligados a temas como a contaminação, a preocupação excessiva com doenças, o medo de que algo terrível aconteça a si próprio ou a outros, medo de agir impulsivamente e sem controlo sobre si, mas também imagens com conteúdos agressivos como acidentes, pensamentos obsessivos relacionados com a aparência, preocupação em deitar fora artigos sem importância, superstições relacionadas com números, cores, palavras de sorte ou azar. Em consequência destas obsessões surgem compulsões que traduzem comportamentos ou actos mentais repetitivos, que a pessoa sente que tem de fazer para reduzir a ansiedade causada pelos pensamentos obsessivos. As compulsões podem surgir com diversas formas, nomeadamente lavagens repetidas ou prolongadas, evitar determinadas superfícies, locais, pessoas, tocar em determinados objectos ou partes do corpo, contar objectos, palavras, repetir frases mentalmente, colocar objetos em ordens específicas ou de acordo com uma determinada noção de simetria. A engrenagem da POC movimenta-se nestas roldanas de obsessões e compulsões, alimentada pela ansiedade, e pode ter um impacto muito significativo no funcionamento profissional, escolar, social e familiar.

Estes sintomas trazem consigo vergonha, culpa, angústia. Trazem consigo a consciência de que estes comportamentos, pensamentos e preocupações não são verdadeiras ameaças – “eu sei que isto no fundo não faz sentido”, é uma frase que oiço com frequência. Nas crianças podemos não observar esta sensação de estranheza face aos pensamentos obsessivos e compulsões. Ainda assim, as obsessões são persistentes e as compulsões por vezes parecem impossíveis de travar. Reconhecer os sinais de POC nas crianças é um desafio que implica ter em conta que durante a infância existem rituais e comportamentos repetitivos perfeitamente normativos, que fazem parte do processo natural de desenvolvimento da criança. Na infância mais precoce é expectável observarmos um aumento de rituais e comportamentos repetitivos, por exemplo associados às rotinas diárias. Na idade escolar é comum o surgimento de superstições com números da sorte, brincadeiras envolvendo evitar pisar certas linhas, cores ou formas do pavimento. Estes comportamentos, nestas fases do desenvolvimento, podem efetivamente ser confundidos com sintomas obsessivo-compulsivos. No entanto, é importante ter em conta que estes comportamentos só assumem uma expressão clínica se interferirem no funcionamento da criança, ou seja, se forem frequentes, intensos, podendo limitar-lhes as atividades, consumindo tempo diariamente e provocando sofrimento ou incomodo na criança ou familiares.

Cerca de metade dos adultos com POC refere o início dos sintomas na infância ou na idade adulta, sendo uma doença que muitas vezes tem um desenvolvimento lento e progressivo. Em muitas situações, numa fase inicial, os sintomas são desvalorizados pelo próprio e pelos familiares sendo frequentemente designados por manias que chegam a ser alvo de humor das pessoas mais próximas. No entanto, a manutenção destes comportamentos reforça o funcionamento obsessivo-compulsivo que se pode enraizar de forma progressiva.

Pensamentos intrusivos que desencadeiam ansiedade são comuns na população em geral, assim como rituais e comportamentos repetitivos que possam ser aparentemente bizarros ou sem sentido. A fronteira entre estes pensamentos e rituais considerados normais, e os sintomas obsessivo-compulsivos está no grau de sofrimento que causam ao próprio, aos familiares, assim como no impacto que apresentam na vida diária.

A POC é um problema crónico, no entanto os sintomas podem ser geridos através do apoio psicoterapêutico especializado, verificando-se em muitos casos uma evolução positiva e a redução dos sintomas, traduzindo uma vida perfeitamente funcional e sem um impacto clínico da perturbação.

 

Soraia Nobre

Psicóloga Clínica

PIN – Progresso Infantil

soraia.nobre@pin.com.pt