AUTISMO: O DIAGNÓSTICO QUE A MÃE SABIA | Dra. Carla Almeida

Entraram os três no gabinete médico. A mãe começou por descrever de forma segura todas as razões para ali estarem. O pai, mais silencioso, acenava a cabeça com sinais de dúvida, menos convicto daquela consulta.

O filho, com 3 anos, andava pelo espaço, descobrindo os brinquedos, desinteressado da atenção dos três adultos naquela sala. O médico ouviu a mãe e nas palavras que ela dizia cabia uma palavra inteira: Autismo. Não lhe foi novo o diagnóstico. Já o tinha pesquisado, já o tinha temido. Já tinha duvidado, já tinha estado segura. Nos olhares que o filho não retribuía, nas palavras que não se ouviam, nas repetições exaustivas das brincadeiras, nas birras demasiado intensas, nos gestos que não fazia, nos sons que o incomodavam, nos interesses particulares.

Seguiram-se as pesquisas solitárias na internet, quase todas a remarem na mesma direção. Mas o pai, numa tentativa de a sossegar, dizia-lhe que também era assim em pequeno. Outras mães diziam-lhe que os seus filhos também tinham falado tarde.

O pediatra assegurava que cada criança tinha o seu ritmo. A avó jurava que eram os mimos. E em tantas opiniões a mãe foi criando a dúvida e foi adiando. Mas sempre num desassossego interno que não lhe permitia acreditar. Ela sempre soube, num lugar onde só as mães moram, numa certeza que foi guardando até ao momento em que marcou aquela consulta e ouviu o que já sabia.

Diariamente muitos casais vivem histórias semelhantes a esta. E muitas mães descrevem de detalhadamente os primeiros sinais que ajudam um profissional atento a compreender as manifestações precoces de um quadro de Perturbação do Espectro do Autismo. E embora muitos casais possam estar em consonância, é muito frequente ser de facto a mãe que percebe em primeiro lugar que algo não está exatamente como seria suposto. Provavelmente porque alguns dos primeiros sinais do Autismo se manifestam tão precocemente na relação mãe-bebé.

No contacto visual pobre enquanto mama, no choro que não se consola no colo, no sorriso que não devolve, no contentamento que não se manifesta quando a mãe regressa a casa, nos movimentos estereotipados com as mãos ou o corpo quando está mais excitado, na reação de desconforto em situações novas, nas primeiras palavras que não surgem, na ausência de resposta ao nome, no não apontar ou fazer gracinhas, no desinteresse pelas outras crianças, no alinhar insistentemente os brinquedos. Embora a maioria das crianças evidenciem sinais desde muito cedo, há alguns casos que manifestam uma aparente regressão a partir de um ano de idade, quando, depois de já ter dito algumas palavras ou evidenciado competências na interação, a criança começa a mostrar-se cada vez mais silenciosa (ou com uma linguagem própria que ninguém entende) e mais desinteressada pelos outros.

São sinais como estes que vão desenhando lacunas ao nível da comunicação e interação social e a existência de comportamentos ou interesses atípicos e repetitivos que constroem um diagnóstico. Apesar de surgirem frequentemente novos métodos para um diagnóstico cada vez mais precoce, a verdade é que este ainda é feito maioritariamente com base na observação da criança por um profissional experiente e nas informações detalhadas da família e da educadora. E embora ainda se levantem muitas vozes resistentes a diagnósticos demasiado precoces, a unanimidade dos estudos quanto à importância da intervenção precoce para um melhor prognóstico, obriga-nos a não perder tempo que é demasiado precioso do ponto de vista da neuroplasticidade nos primeiros anos de vida.

Seria importante adotar uma postura de despiste de rotina em consultas de pediatria, com um instrumento como o M-CHAT-R (versão portuguesa aqui) e ouvir atentamente as preocupações da mãe, do pai, da educadora ou de quem, estando diariamente com aquela criança, percebe que há algo que não está bem. Dito isto, não significa que todas as histórias sejam iguais. Que todas as crianças tenham os mesmos sintomas, com a mesma gravidade ou impacto. Há quadros mais ligeiros, menos evidentes, mais oscilantes nas suas manifestações. Há crianças com uma Perturbação do Espectro que olham nos olhos, que são afetuosas, que sorriem…

Não devem ser usados critérios destes como fatores de exclusão. No entanto, se uma mãe se mantém preocupada, os profissionais também devem estar preocupados até prova em contrário.

Apesar do impacto avassalador que pode trazer um diagnóstico, é a partir dele que muitas vezes se traça um rumo mais claro e orientações para a intervenção que deve ser o mais especializada possível.

Pode ser também um momento de força renovada para o casal e para a mãe, que tal como nesta e em tantas outras histórias, e apesar de tantas vozes contrárias, já sabia o diagnóstico.

Artigo desenvolvido por:

Dra. Carla Almeida, Técnica de Educação Especial e Reabilitação (Coordenadora do Núcleo das Perturbações do Espetro do Autismo e Défice Cognitivo)