«Estrelas & Ouriços – Artigo opinião » “Anorexia nervosa” – Dra. Andreia Leitão

Abrir a janela clínica da anorexia nervosa é vital para a compreensão de uma doença ainda tão incompreendida. Há muitas questões que surgem e procuram respostas científicas e clínicas válidas e atualizadas.

O medo intenso de aumentar o peso, a restrição da ingestão de calorias, a alteração da autoimagem são os pilares que sustentam o edifício da anorexia nervosa. A busca pelo horizonte do peso idealizado recruta um leque de ações que se instalam paulatinamente e silenciosamente

O Manual de Diagnóstico e Estatística DSM 5 define critérios de diagnóstico desta perturbação alimentar.

A etiologia é complexa e parece envolver o terreno genético em interação com fatores ambientais. Um olhar atento evoca as redes sociais como um potencial trigger, ou seja, um potencial fator precipitante. Crescentemente, a literatura tem lançado estudos que relacionam as redes sociais e o comportamento alimentar das adolescentes.

Estereótipos de beleza feminina são veiculados nos circuitos sociais, precipitando a inevitável comparação com a autoimagem e a insatisfação com o corpo e peso. Esta insatisfação por seu turno abre as portas para ações que induzem a perda de peso e a busca pelo ideal de beleza.

Atinge mais frequentemente o género feminino, devendo, no entanto, sublinhar-se que, tem-se verificado uma crescente deteção no género masculino e em idades mais precoces, pelo que é fundamental não descurar a suspeita diagnóstica nestes casos.

Dados epidemiológicos apontam a prevalência cerca de 0,3%-1%, com idade crítica de início 13-18 anos.  A instalação de sinais de alarme pode revelar-se muito silenciosa. O comportamento alimentar desorienta-se e esconde-se. Habitualmente, encontra-se uma panóplia de pistas: salto de refeições, colocação de comida no lixo, esconder comida, isolar-se nas refeições, toma de laxantes e/ou diuréticos, focar e fixar atenção excessivamente no peso corporal, recrutamento de toda e qualquer oportunidade para a prática de exercício físico excessivo.

O impacto é multifacetado, sendo a nível orgânico muito importante. Pode atingir de forma crítica qualquer órgão ou sistema – perda de peso, desnutrição, hipotermia, aumento do pelo corporal, amenorreia, desequilíbrios hidroeletroliticos, redução da densidade óssea, complicações cardíacas. É a doença mental com mortalidade associada mais elevada.

O prognóstico inclui a evolução para a cronicidade em cerca de 30 % dos casos. A abordagem deve caminhar com os doentes inseridos no seu ecossistema familiar, escolar, social. Assim, a evidência científica advoga que a abordagem seja multidisciplinar, com valência de Pediatria, Pedopsiquiatria, Nutrição, Psicologia. A procura de suporte é geralmente mais tardia do que o desejável, o que agrava o prognóstico.

Estratificar o risco é fulcral, incluindo identificar fatores de risco que possam agravar a evolução, como é o caso de comorbilidades. A intervenção preconizada pode ser farmacológica e não farmacológica – psicoterapêutica. A resistência e fraca adesão ao tratamento são frequentes, impactando a orientação e evolução positiva.

Uma nuvem de mitos é levada pela brisa do conhecimento sólido e conduz-nos a factos baseados na evidência científica: não é uma doença da moda, não está somente relacionada com a beleza e ideais de beleza, não é um capricho! A anorexia nervosa é uma perturbação alimentar complexa que, se não for submetida a intervenção atempada poderá ter consequências dramáticas. É imperioso detetar precocemente sinais de alarme, no espectro de um comportamento alimentar desviante.

Autor: Andreia Leitão, Médica Pediatra de Neurodesenvolvimento – Diretora Clínica PIN Porto