“Rotinas familiares e escolares em tempos de pandemia” – Dra. Cristiana Batista

Nas últimas semanas fomos invadidos por uma experiência invulgar de partilha de tempo uns com os outros.

É indiscutível: tempo é a palavra chave e é tempo de parar, pensar, agir e encontrar estratégias que nos permitam lidar com tudo da melhor forma possível. É tempo de nos voltarmos a cativar e de aprender a “estar”. “Estar” é um verbo difícil nos dias que correm, estarmos connosco e estarmos com o outro. Quantas famílias viram a sua rotina alterada? Ninguém está preparado para ter que se reinventar e reajustar todas as rotinas sem aviso prévio e por tempo indeterminado.

As mudanças são exigentes e levam tempo, e o tempo, embora agora estivesse supostamente nas nossas mãos, parece não ser suficiente para nos conseguirmos ajustar com a facilidade desejada e exigida. Como é que conciliamos trabalho e família 24 horas por dia? Será possível de sustentar por muito mais tempo? Não é fácil, até porque na maioria dos casos, estamos em casa já há algum tempo. Também para as crianças e jovens não está a ser fácil assistir a aulas num registo completamente diferente ao que conheceram até então, surgindo certamente momentos de maiores desafios e dificuldades, tais como gerir momentos de estudo e trabalhar de forma mais autónoma, independente e com novas exigências. É importante que nos mantenhamos flexíveis e sejamos tolerantes para lidarmos com estas circunstâncias e com tudo o que envolvem.

Deixamos-vos um conjunto de sugestões que poderão adotar e/ou adaptar, de acordo com as vossas necessidades e características familiares, tendo em conta quer rotinas gerais, quer rotinas de estudo.

Rotinas gerais:

  1. Manter hábitos na rotina familiar;
  2. Aproveitar para fazer coisas que noutro momento não seria possível fazer, por exemplo, tomar o pequeno almoço em família;
  3. Avaliar, em conjunto, cada dia, atribuindo pontos a cada um dos elementos da família – no final da semana a pessoa com mais pontos poderá, por exemplo, escolher uma atividade para realizar em conjunto;
  4. Com recurso à internet, visitar museus virtualmente e assistir a transmissões de concertos;
  5. Estabelecer metas diárias, definir objetivos e tarefas para que todos possam colaborar de alguma forma nas atividades domésticas;
  6. Criar uma caixa de desejos – em que todos os elementos da casa possam partilhar e escolher um desejo por dia – adotando uma atitude positiva;
  7. Organizar atividades lúdicas em conjunto ao final do dia – jogos de cartas, jogos de tabuleiro, momento do conto…;
  8. Realizar videochamadas com amigos ou familiares, de modo a sentir a proximidade de outras pessoas; incluindo em algumas dinâmicas familiares, como por exemplo, um lanche conjunto;
  9. Utilizar o fim-de-semana como tal, realizando atividades diferentes, lúdicas e divertidas, promotoras de um ambiente positivo.

Rotinas de estudo:

  1. Fazer em conjunto com as crianças ou jovens um horário semanal, definindo momentos claros de trabalho e momentos de lazer.  Há que considerar os tempos letivos e determinar momentos reais de estudo, ajustando expectativas relativamente à produtividade das crianças ou jovens e ao que lhes é exigido;
  2. Diferenciar, sempre que possível, as zonas de trabalho/estudo e as zonas de lazer;
  3. Tirar partido das plataformas online, tais como a Escola Virtual da Porto Editora, a Aula Digital da Leya, a Escola Mágica ou a Academia Khan, disponibilizadas gratuitamente que permitem criar momentos de estudo mais divertidos;
  4. Considerar a criança/jovem como agente ativo no processo de definição dos melhores momentos para as tarefas escolares;
  5. Adequar as rotinas necessárias aos momentos de maior rendimento da criança ou jovem. Flexibilizem-se, experimentem diferentes momentos e vejam qual o mais adequado;
  6. Repensar o processo de aprendizagem, construindo com a criança ou jovem mapas-sínteses com os conteúdos mais importantes das aulas, de modo a organizar o estudo a médio/longo prazo;
  7. Promover pausas curtas ao longo do dia, com reforços positivos. Deve reservar-se reforços mais distrativos, como por exemplo, recurso aos videojogos, para o final do dia;
  8. Construir tabelas de reforço, estabelecendo um sistema de “X” tarefas bem-sucedidas para alcançar um determinado objetivo (este objetivo deverá ser determinado em conjunto com a criança ou jovem);
  9. Colocar em prática formas de estudo alternativas, construindo mapas de conteúdos com a criança ou jovem, sobre as matérias nas quais surgiram maiores dificuldades, estimulando a sua autonomia e capacidade de autoanálise;
  10. Promover momentos de autoavaliação diária, de modo a monitorizar o trabalho que está a ser realizado e a promover a implementação de estratégias mais práticas facilitadoras do processo de aprendizagem;
  11. Definir com a criança ou jovem um momento durante o fim-de-semana no qual seja possível rever matérias e tirar dúvidas para evitar sobrecarregar a criança ou jovem durante a semana;
  12. Determinar com a criança ou jovem um momento no qual seja possível realizar uma apresentação para a família sobre um trabalho ou matéria de maior interesse ou relativamente à qual tenham surgido questões;
  13. Articular com o professor responsável da turma, fornecendo feedback, de modo a que se possam realizar os ajustes necessários ao longo do tempo;
  14. Lembrar que os momentos de brincadeira são importantes e necessários para que os momentos de estudo e aprendizagem sejam mais produtivos.

 

Os dias parecem-nos demasiado longos e é natural que nos sintamos exaustos, ansiosos, preocupados, perdidos e emocionalmente fragilizados. As crianças e os jovens também se sentirão assim. Não se deve exigir de uma criança ou jovem que está todo o dia fechada em casa que tenha a mesma energia para a escola e respetivas tarefas associadas que teria num período sem limitações, é fundamental considerarmos a vertente emocional e o seu impacto.  É importante que não nos esqueçamos disso. Também para elas, este é um registo de novidade, restrição e adaptação.

 

Por agora, há que ficar em casa e não ter pressa de sair, e como nos diz José Saramago na obra A Viagem do Elefante, “Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam”. Que este seja um tempo de aprendizagem e de oportunidades. Oportunidades de criar e (re)inventar o momento, o nosso momento.

Cristiana Batista , Psicóloga Clínica

Fonte: Estrelas e Ouriços