Quando o bullying é interno. O impacto negativo da autocrítica
Diversas pessoas têm dificuldades relacionadas com a autocrítica. Para muitos autores, este é um fator de personalidade associado a vários problemas de saúde mental.
Falhas, erros, imperfeições ou defeitos são os motivos mais comuns que levam as pessoas a se criticarem. A autocrítica traduz um estilo de relação connosco próprios. Surge habitualmente quando pensamos que falhamos, quando as coisas correm mal ou quando não gostamos de alguns aspetos individuais.
Crescemos numa sociedade em que acreditamos que o erro e a punição devem estar associados. Se cometemos erros devemos ser punidos. Devemo-nos aperfeiçoar constantemente. Somos inadequados se não formos bons. Acreditamos que temos culpa se não atingirmos determinados padrões. Sentimo-nos perdedores quando nos comparamos com pessoas que estão num nível superior ao nosso. Lutamos para evitar a inferioridade.
A maioria das pessoas, não só acredita que não há nada de errado em se criticarem, como também têm de o fazer. Consideram que precisam a autocrítica para se motivarem e serem bem-sucedidas.
Efetivamente, se estivermos a falar de correção, não é necessariamente negativo nos criticarmos. A crítica construtiva, encorajadora e gentil pode ser útil. A crítica depreciativa tem um impacto negativo, pois ativa o nosso sistema de ameaça e stress.
Não é útil quando a nossa motivação para melhorarmos é baseada no medo
Quando as pessoas se criticam surgem automaticamente imagens ou pensamentos negativos na sua mente. Não és suficientemente bom, não tens valor, és um fracasso, não prestas, tens de fazer melhor, és um anormal, és burro, és gordo e feio, nunca fazes nada bem, és uma fraude, não serves para nada, és um perdedor, se não te esforçares nunca serás ninguém, és uma péssima pessoa, és um preguiçoso, não estás à altura, és um inútil, és um fraco – são alguns exemplos desse tipo de pensamentos relatados por pacientes em consulta.
Estes pensamentos têm uma influência significativa no nosso estado fisiológico e emocional. Podem surgir emoções como tristeza, raiva, frustração, ansiedade ou deceção. No entanto, a principal emoção que acompanha a autocrítica é a vergonha.
Apesar da inutilidade de diversos pensamentos autocríticos, a função da autocrítica é protetora. É como se fosse uma voz interna que fica ansiosa e preocupada com a possibilidade de falhar. Nesse sentido, este tipo de pensamentos visam evitar cometer erros, manter determinados padrões de realização ou até desencadear simpatia. Acreditamos que se nos punirmos o suficiente e nos criticarmos vamos melhorar. Se nos assustarmos o suficiente da próxima vez não vamos falhar.
Em casos mais graves de saúde mental, em que as pessoas se detestam, a autocrítica surge porque as pessoas sentem desprezo, aversão, ódio ou nojo por si mesmas. O auto ataque pode servir, então, para as pessoas se punirem pelos seus erros, lidar com sentimentos de repugnância ou atacar e perseguir as partes que detestam em si.
As consequências da autocrítica são significativas
Diversos estudos têm apontado o papel da autocrítica como um fator de vulnerabilidade para vários problemas de saúde mental, nomeadamente ansiedade, depressão e stress. No caso da depressão, os pensamentos autocríticos podem aumentar consideravelmente devido ao estado de humor negativo e serem explicados por esta perturbação.
Todavia, quando as pessoas se criticam sistematicamente de forma depreciativa, a autocrítica passa a ser o seu padrão habitual de funcionamento. Nestes casos, os pensamentos autocríticos são persistentes e as pessoas podem sentir-se diminuídas, humilhadas, desvalorizadas, derrotadas. Frequentemente sentem vergonha do que são.
Apesar das consequências negativas, compreende-se porque o ser humano é tão crítico consigo. O nosso cérebro está programado para ter a necessidade básica de existir na mente do outro de forma positiva. Criticamo-nos porque competimos uns com os outros.
E muitas das razões para as pessoas competirem é para evitarem serem rejeitadas, marginalizadas, subjugadas ou deixadas para trás. Têm medo de estar fora do grupo se não forem de uma determinada maneira. Isso pode implicar não ser incluído, não ser desejado e, em última instância, não ser amado.
Contudo, como mamíferos que somos, o nosso cérebro também veio preparado para cuidar. Dos outros e de nós próprios. Temos capacidade de ativar respostas e competências de autocuidado para nos tranquilizarmos quando falhamos. Importa, então, que façamos a seguinte reflexão: quando cometemos erros ou quando as coisas correm mal como é que nos queremos relacionar connosco?
Tânia Costa
Psicóloga Clínica e da Saúde