“(RE)CRIAR ROTINAS” – Dra. Maria João Gouveia

Já nos apercebemos da falta que nos faz as rotinas que antes eram um dado adquirido. Já tivemos tempo de nos aperceber da dificuldade que é fazer a gestão de uma casa, de um teletrabalho, dos cuidados aos filhos, do ensino à distância dos filhos, e de mais outras tantas responsabilidades que possamos ter.

De uma forma ou de outra, já criámos novas rotinas, ainda que nem sempre possam ser de fácil gestão. Eis aqui algumas ferramentas úteis para a (re)criação de rotinas.

Faça uma reflexão em família.

É muito importante que possamos incluir as crianças nas reflexões e nas tomadas de decisão em relação às alterações que vão ocorrer no seu ambiente familiar. Com elas, devemos sempre privilegiar uma comunicação aberta, expondo de forma clara, por exemplo, as alterações das suas rotinas, mas estando disponíveis para ouvir as suas dúvidas e inquietações. Opte por dar informação concreta e verdadeira, mas que tranquilize as crianças (por exemplo, “vais voltar à escola, só ainda não sabemos o dia em que isso vai acontecer, mas até lá vais ter aulas à distância; juntos vamos fazer o nosso melhor por nos adaptar a este formato das aulas”). Para isso, é importante que esta conversa possa ser antecipada à ocorrência dessas alterações, para que as crianças se possam ir habituando à ideia e apresentem uma menor resistência. Para aumentar a motivação dos seus filhos, pergunte-lhes o que gostariam de incluir na sua nova rotina, seja criativo e faça a imaginação da sua criança voar para fora das suas quatro paredes – tudo é possível, na nossa imaginação!

Estabeleça uma rotina estruturada.

A rotina é mesmo a palavra de ordem. É extremamente organizador para as crianças saber o que vai acontecer (o que vão fazer, como vai acontecer, com quem vão estar, a que horas), correndo o risco de haver mais birras ou “maus comportamentos” quando as possibilidades não estão pré-definidas. Assim, durante o período escolar opte por fazer uma rotina o mais semelhante possível à que teriam em condições normais, fazendo os ajustes necessários à organização familiar. Pode construir em conjunto com os seus filhos um horário diário e/ou semanal (veja a nossa proposta aqui ) ou outras pistas visuais e colocá-los depois em locais bem visíveis da casa, tornando-os agentes ativos nas tomadas de decisão e na implementação das ideias.

Prepare-se para dias mais difíceis.

Apesar de as crianças poderem estar entusiasmadas com a ideia da telescola no início do 3º Período, o entusiamo poderá ter diminuído ou até ter sido substituído por uma grande preocupação ou frustração com o passar do tempo. Esteja atento às necessidades dos seus filhos e seja empático com eles, mesmo quando estas necessidades são expressas por emoções ou comportamentos difíceis de gerir (se a si lhe custa, também custa ao seu filho). É muito comum fazermos a leitura dos “maus comportamentos” dos nossos filhos como manifestações de desrespeito, de imaturidade, de mau feitio, etc., ou até de um sinal de falha no nosso papel parental. Isso vai fazer com que a nossa reação seja de ataque ou de defesa, uma vez que entendemos esse comportamento como uma espécie de ameaça pessoal. E assim entramos numa escalada que dificilmente acabará bem para ambas as partes.

Sugerimos que experiencie estes momentos de outro modo:

  • Experimente colocar-se uma posição de observador externo (i.e., que observa de fora o que está a acontecer, questionando-se “o que é que está a desorganizar o meu filho?”, “quais as reações fisiológicas que o comportamento do meu filho gera no meu próprio corpo?”). Ao fazer isso, irá criar um distanciamento sobre o que está a sentir, não respondendo com base na sua interpretação automática de ameaça, mas criando um espaço facilitador de uma resposta mais próxima do significado real do comportamento.
    Talvez assim consiga ver o comportamento do seu filho como uma manifestação ao processo de adaptação à transição do período de férias para o período escolar.

    • Mantendo esta possível legenda presente, não reaja de forma automática! Em primeiro lugar empatize com a dificuldade que o seu filho está a sentir (e.g., “eu sei que para ti é difícil estar em casa como se estivesses na escola e teres de te adaptar a estar em casa de outra maneira, e que por isso ficas zangado”). Depois de uma pausa, pode acrescentar uma breve informação factual (e.g., “infelizmente, agora terás de fazer os trabalhos que fazias na escola aqui em casa, e isto não é possível mudar”).

    • Caso o comportamento não se atenue, opte por diminuir a comunicação que nesta situação poderá ser o combustível da escalada comportamental (por melhores que sejam as suas intenções), optando por “sair” da situação e dando ao seu filho um espaço de privacidade, a sós, onde pode permanecer durante o tempo que sentir necessidade. Desta forma, vai-se sintonizar com a dificuldade que o seu filho sente, mas não com o seu comportamento que considera desadequado. Para além disso, isso irá permitir criar um espaço tanto para a criança, como para si enquanto pai/mãe, para gerir a sua ativação emocional e se autorregular, o que dificilmente aconteceria se mantivesse a comunicação.

    Os dias atuais exigem uma grande adaptação por parte de todos, mas esteja certo que esta adaptação pode ser catalisadora de grandes aprendizagens para os seus filhos. Lembre-se que as aprendizagens mais importantes não vêm nos livros (ou em qualquer plataforma online ou televisiva). Esta pode ser uma oportunidade única para potenciar a autonomia, autorregulação e autoestima dos seus filhos. Potencie esta experiência na vida dos seus filhos, privilegiando o tempo que ganhámos com tempo de qualidade e de verdadeira partilha. Aproxime-se deles e assista em tempo real ao seu crescimento.

    Lembre-se destas palavras-chave: rotina, calma e empatia.

Autor:
Maria João Gouveia, Psicóloga Clínica

PIN – Centro Clínico, de Formação e Investigação